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Desoneração de folha salarial para todos virá em ‘médio prazo’

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A redução dos tributos sobre a folha de pagamentos da indústria virá para todos os setores, mas em "médio prazo", disse o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel. A manutenção da taxa de câmbio "flutuante, porém, vigilante", em torno de R$ 2 é apenas uma das medidas tomadas pelo governo capazes de aumentar o nível de investimentos neste ano, argumentou. O crescimento das importações de máquinas e equipamentos para as quais o governo concedeu redução de tarifa de importação é sinal do aumento de investimentos, argumentou.

Ele disse ver "um pouco" de espaço no orçamento fiscal para novas desonerações tributárias e adiantou que o governo discute a extensão, a setores como o de celulose e papel, da compensação garantida pelo programa Reintegra, que devolve às empresas o equivalente a 3% de suas exportações, para cobrir o gasto com impostos cobrados e não descontados durante o processo produtivo. O Reintegra precisa ser "sofisticado", para prever compensações diferentes de 3%, adiantou.

Embora acredite que o Reintegra deveria ser estendido para além de seu prazo limite de 31 de dezembro, Pimentel disse que essa decisão não consta das discussões da equipe econômica.

O governo prepara, ainda, medidas para facilitar as operações do comércio externo e concessão de licenças, adiantou o ministro, que anunciou uma "ação coordenada" do governo para ampliar mercados na América Latina, no esforço para integrar a produção brasileira com a dos vizinhos.

Encarregado de negociar a remoção de barreiras protecionistas aplicadas pela Argentina a produtos brasileiros, o ministro, conciliador, argumentou que o país vizinho foi obrigado a intervir no comércio devido à pressão em suas contas externas. Previu que, neste ano, haverá "distensão" nas alfândegas, como comprova a recente liberação de embarques de calçados brasileiros retidos no ano passado.

A seguir, os principais trechos da entrevista do ministro Fernando Pimentel, publicada originalmente pelo Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor.

Valor: O que o governo pensa fazer para elevar a taxa de investimento no Brasil, além dos projetos de infraestrutura, na indústria de transformação?

Fernando Pimentel: A taxa de investimento resulta de vários movimentos, não apenas da decisão de investir. Ficamos muito tempo no Brasil sem ambiente favorável ao investimento, e o governo fez isso agora, de forma muito decidida. A queda do patamar da taxa de juros, o movimento de maior vigilância no câmbio, que é flutuante mas vigilante, para impedir a valorização excessiva da moeda, e o conjunto de iniciativas para destravar regras e regulamentações e permitir investimento privado em áreas de atuação pública (portos, aeroportos, rodovias, ferrovias). Tudo isso somado, criou mesmo um novo momento, um novo ambiente.

Valor: Mas ainda insuficiente…

Pimentel: Não espere que o investidor se mobilize de imediato, ele leva um tempo para absorver a mudança, entender as novas regras, perceber que, de fato a nova realidade é essa, e que vai sair de uma zona de conforto  do juro alto para vir para os investimentos em concessões ou na área produtiva, que sempre envolvem algum risco. Esse movimento está começando. Estou seguro que vamos ter taxa de investimento maior neste ano, no ano que vem e nos subsequentes. Quanto, é impossível prever.

Valor: Em que o sr. se baseia para esse otimismo?

Pimentel: O ano de 2012 foi o ano em que mais concedemos ex-tarifários [redução ou eliminação de imposto] para bens de capital importados [máquinas e equipamentos para a produção]: um valor total de US$ 6,78 bilhões. Em 2011, tinham sido US$ 5,6 bilhões, em 2010, US$ 4,1 bilhões, em 2009, US$ 5 bilhões. Só esses equipamentos importados em 2012 alavancam investimentos em torno de US$ 45 bilhões. Em janeiro deste ano concedemos ex-tarifários que movimentam US$ 5,8 bilhões em investimentos. Estamos vivendo uma conjuntura de crescimento de investimento no Brasil.

Valor: No momento em que as empresas pareciam confortáveis com a cotação do dólar, houve valorização do real. Isso não causa insegurança para o investimento?

Pimentel: Foi uma queda pequena. O câmbio é flutuante, deu uma flutuadinha para baixo…

Valor: Por ação do governo….

Pimentel: Já flutuou para cima, também por ação do governo. Um pouco para baixo, um pouco para cima, mas não saiu do patamar. Vai ficar por aí, nesse universo em torno de R$ 2. O câmbio a R$ 1,96 está em torno de R$ 2, a R$ 2,05 está em torno de R$ 2. Claro que, para o sujeito que exporta, faz diferença entre R$ 2,05 e R$ 1,96, mas ele tem de ter hedge, aí é o risco do mercado, do câmbio flutuante.

Valor: Não é contraditório um câmbio flutuante que fica sempre em torno de R$ 2?

Pimentel: É flutuante, porém, vigilante, uai. Estamos vigiando para ele ficar nisso aí, para não cair muito, nem subir muito. Como americanos, europeus e japoneses. Estamos agindo com uma lógica macroeconômica correta: o Brasil está com o objetivo determinado de política econômica, de baixar o custo Brasil, o custo de produção no país, os custos trabalhistas, tributário. Criar um ambiente de negócios atraente para o investimento e, dentro disso, assegurar que tenhamos um câmbio competitivo, razoavelmente competitivo.
 
"Não vamos permitir que o desequilíbrio cambial danifique nosso tecido industrial, produtivo"

Valor: Que câmbio é esse?

Pimentel: O que não vamos ter é um câmbio que destrua nossa indústria, não vamos ter mais, mas também não vamos ter aquela ilusão de uma desvalorização excessiva da moeda brasileira, em que todo mundo fica achando que a indústria recuperou a competitividade, sem ter mudado uma máquina de posição, sem ter criado uma tecnologia nova, um software sequer. Se fizer uma macrodesvalorização, fica tudo competitivo, mas isso já fizemos no passado e não funciona, ou funciona no curto prazo e, depois, desanda. A indústria vai ter de ser competitiva por seus próprios méritos e esforços.

Valor: Qual é o objetivo das intervenções do governo?

Pimentel: As intervenções do ministro Guido Mantega têm sido muito precisas nessa direção: não vamos permitir que o desequilíbrio cambial danifique nosso tecido industrial, produtivo. Mas também não vamos alimentar a ilusão de um câmbio hiperdesvalorizado, que, de repente, todo mundo acha que ficou competitivo de novo. Vamos trabalhar com pé no chão, de maneira sensata.

Valor: Muitos setores pedem maior apoio do governo para a redução dos custos, maior desoneração. Quais setores estão na lista do governo para receber novas desonerações?

Pimentel: Isso é complicado, porque a fila é grande, todo mundo quer a mesma coisa. Nós todos – o ministério, o governo, a área econômica liderada pela Fazenda, e também os bancos – trabalhamos com a expectativa de desonerar a folha de pagamento, no médio prazo, para todo o setor de bens manufaturados.

Valor: Mas há setores intensivos em capital, em que o peso do custo de mão de obra não é tão grande, e a troca por uma alíquota de 1% do faturamento seria desvantajosa..

Pimentel: Depende de como se calibra a alíquota. Pode ser uma alíquota mais baixa ou mais alta. A ideia é reduzir o custo do trabalho, o impacto do gasto trabalhista para esse setor da economia [a indústria], e para outros. O ministro Guido tem feito referência a desonerar a folha como um todo. No longo prazo, seria extremamente positivo. No médio prazo, vamos tentar chegar à desoneração da folha da indústria. Não tem prazo definido pela presidente, e não vou me arriscar a fazer um. Mas acho que é um prazo que a gente consiga enxergar.

Valor: Há quem diga que não há mais espaço fiscal para mais desoneração de imposto…

Pimentel: Acho que a equipe econômica está cuidando disso com muita sensatez, muita lucidez. Acho que tem ainda um pouco de espaço fiscal. Não é um espaço excessivo, por isso temos de ser rigorosos, cautelosos, mas ainda há algum espaço. A presidenta acabou de anunciar que vai reduzir os impostos da cesta básica. Há estudos avançados nessa direção. Há ainda um espaço que pode ser usado, não é muito grande, mas dá.

Valor: E o caso do Reintegra, que continua sendo temporário? Os empresários argumentam que não têm como incluir essa redução de custos nos preços….

Pimentel: Não há essa discussão, ainda, sobre torná-lo permanente. O que estamos estudando, neste momento, é a possibilidade de sofisticar um pouco o mecanismo do Reintegra. Você tem hoje uma alíquota única para todos os setores beneficiados, de 3% das exportações. Estamos pensando em, talvez, ter alíquotas diferenciadas, para poder incorporar novos setores, porque há demanda de incorporação de novos setores.

"O Mercosul, por mais que critiquem, é o que nos permite consolidar o quarto maior mercado do mundo"

Valor: Quais?

Pimentel: Por exemplo, há uma demanda grande, antiga, de incorporação do setor de papel e celulose, que ainda não foi beneficiado. Temos de trabalhar um pouco melhor essa discussão. Para ampliar o Reintegra a gente tem de, necessariamente, sofisticar um pouco o mecanismo, com alíquotas diferentes. No momento, é o que está tanto no nosso radar quanto no da Fazenda, mas não a perpetuidade do Reintegra. Perpetuidade é uma palavra um pouco forte.

Valor: Por enquanto, nada de estender o prazo do Reintegra?

Pimentel: Por enquanto, não, embora ache que é um mecanismo que tende a ficar no longo prazo, porque a maioria dos países tem isso, até com percentuais muito elevados. A China tem um Reintegra de 18%. Não é nosso caso, não precisamos disso.

Valor: Mesmo com o alento do câmbio, falta competitividade à indústria, que perde espaço no mercado doméstico e na América Latina. O que o governo planeja para aumentar o mercado para as empresas brasileiras?

Pimentel: Nós vamos fazer, não quero chamar de ofensiva, mas, enfim, uma ação coordenada nos mercados latino-americanos. Já estamos fazendo isso, usando mecanismos que já existem, como a Apex, de forma consistente, persistente. O Mercosul, por mais que pessoas menos avisadas critiquem, achem que nos atrapalha, é o que está nos permitindo a consolidação do que é o quarto maior mercado do mundo.

Valor: No entanto, o que mais cai nas estatísticas da balança comercial é exatamente nosso comércio com a Argentina, não?

Pimentel: É um fator circunstancial, conjuntural. A Argentina atravessou o ano passado sob uma pressão cambial muito forte, teve de pagar uma parcela muito significativa da dívida externa. Neste ano é um pouco melhor, vai aliviar um pouco. Acompanhamos isso aqui quase diariamente, e já houve uma distensão grande na fronteira, nas licenças de importação que estavam paradas. Em calçados, por exemplo, aliviou muito, há um certo balanceamento: entre 25 de janeiro e 1º de fevereiro, foram liberados pouco menos de 261,8 mil pares de calçados, equivalentes a US$ 6,3 milhões em exportações. Segundo o setor, há apenas seis licenças pendentes de liberação, relativas a menos de 30 mil pares.

Valor: Houve uma queda grande no superávit com a Argentina…

Pimentel: A Argentina teve de fazer um sacrifício grande, acabou sacrificando um pouco nosso superávit. Agora, o nosso objetivo, especialmente em relação à Argentina, não deve ser produzir um superávit gigantesco e permanente a nosso favor. O que temos de trabalhar, e estamos trabalhando, é numa integração cada vez maior com a Argentina. À medida que vamos nos integrando, pode ter um superávit um pouco menor, e pode mudar de lado, mas o importante é crescer o fluxo de importações e exportações todo o tempo. É assim nas economias desenvolvidas.

Valor: Mas há dificuldades até em se investir na Argentina, porque os empresários estão assustados com o cenário econômico…

Pimentel: Aí é um problema da economia argentina, nossos irmãos, nossos vizinhos, que têm de resolver e estão cuidando disso. Do nosso ponto de vista, o que queremos é aumentar nosso fluxo de comércio com a Argentina, não só as exportações. As importações também são importantes, ao virem integradas com nossa cadeia produtiva. Vamos ter, dia 27 de fevereiro, uma reunião bilateral importante com eles, em que um dos principais temas de fundo será a integração produtiva. Temos um acordo automotivo que funciona bem com eles e que termina em julho, vamos renová-lo e aperfeiçoá-lo.

Valor: Como?

Pimentel: Incorporar o Inovar-Auto nesse regime. Os princípios, de conteúdo local, que pode ser regional. As exigências tecnológicas que colocamos [para concessão de incentivo fiscal] para o Brasil podem ser colocadas também para a Argentina, em seu manejo lá. A rastreabilidade [das peças que compõem o conteúdo nacional] pode ser estendida a eles. Com a Argentina, nosso caminho é de parceria cada vez mais estreita, respeitando as peculiaridades, idiossincrasias. Eles têm sua realidade, que temos de respeitar. Fico muito impressionado quando ouço alguns analistas dizendo que o Brasil deveria sair do Mercosul. Isso seria abandonar qualquer pretensão à liderança no continente latino-americano.

Valor: Por que não?

Pimentel: Se nós fizermos isso, alguém vai entrar em nosso lugar, alguma outra grande nação. Pode ser de olhos puxados ou louro de olhos azuis. O Brasil é um país líder, pelo progresso, pelas práticas pacíficas, todos os países reconhecem isso. Abdicarmos disso, só loucos.

Valor: Mas não estamos perdendo mercado, quando outros países da região buscam acordos fora do continente?

Pimentel: Não é excludente. O importante é oferecermos parcerias atraentes. Entendo que o Chile busque acordo de livre comércio com países asiáticos. A Colômbia pode buscar livre comércio com os EUA, não tem problema. Quero ver construírem integração produtiva com os chineses ou os americanos. Conosco podem fazer, é isso que temos de buscar, construir uma grande integração produtiva no continente. Não temos ainda nada maduro, mas é isso que buscamos.

Valor: Como fica o esforço de facilitação de comércio, a criação de um guichê único na burocracia para tratar de importações e exportações?

Pimentel: Aos poucos, estamos avançando. Não dá para fazer de uma vez, temos estruturas já existentes há muito tempo, que temos de mudar pelo convencimento. Vamos ter, nos próximos dias, um decreto de modernização dos mecanismos de defesa comercial que aponta nessa direção: facilitação de licenças. É preciso afunilar um pouco os mecanismos de comércio exterior, para facilitar a vida de quem importa e exporta.

Valor: As exigências de conteúdo nacional não podem diminuir a competitividade das empresas e prejudicar o consumidor?

Pimentel: Não estamos fazendo exigência de conteúdo nacional na linha nacionalista do século passado. É com cabeça do século XXI, para garantir absorção de novas tecnologias, colocar nossa indústria no patamar deste século. Temos de garantir, para isso, que os processos sejam internalizados. Mas os dados do ex-tarifário mostram que, onde não há similar nacional somos totalmente abertos à importação, reduzimos imposto. Não podemos é ter ilusão de que, importando produtos, porque são mais baratos, faremos a economia brasileira rodar.

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